Autor dos livros Incas venusianos (poesia), O médico das palavras (romance) e coautor de A história sob a terra (arqueologia), o jornalista e escritor Fabio Malavoglia fala nesta entrevista sobre os riscos do desaparecimento do livro físico
Fabio Malavoglia, 64 anos, paulistano, autor de três livros, apresentador do programa Rádio Metrópolis na Rádio Cultura FM, considera o fim das livrarias e dos livros físicos “um desastre da cultura, da civilização, do espírito”.
“Estamos vivendo a época da tecnobarbárie. É uma terra arrasada”, ele afirma.
Com sua voz grave e profunda de radialista, sob a proteção de milhares de obras, expostas nas prateleiras da acolhedora Livraria Nove Sete, na rua França Pinto, Vila Mariana, em São Paulo, Malavoglia faz um diagnóstico desses novos tempos sombrios. Leia a entrevista:
Quando teve início seu amor pelos livros?
FABIO MALAVOGLIA – Minha família é italiana. Fui criado entre livros. Fui e sou devedor dos livros. A palavra livro vem do latim liber, que é a parte mais interna da árvore. Livro é a rigor uma metáfora da nossa própria alma, aquilo que existe internamente em nós. Se você frequentar as livrarias com devoção, elas vão mudar a sua alma.
Qual a importância dos livros para a humanidade?
MALAVOGLIA – Há um livro na base de toda civilização. Os chineses têm o Tao Te Ching, os judeus e cristãos têm a Bíblia, os muçulmanos, o Corão. Nessa época de virtualização de tudo, a realidade material do livro está ameaçada. É um desastre para a cultura, para a civilização, para o espírito. Toda cultura procurou, ao longo dos séculos, materializar as ideias. O artista tem um sonho e corporifica em palavras, em escultura, em uma tela. O que a cultura digital faz é desmaterializar tudo. É um desastre que aponta para a dissolução.
Mas com a digitalização isso não aumentaria nossa oferta?
MALAVOGLIA – Não, porque você não tem mais escolha. A Netflix, por exemplo, que tem milhares de filmes para serem vistos... Quem determina a seleção da Netflix? São criados perfis virtuais que limitam as escolhas. Sem falar que a experiência do livro físico e do livro digital são completamente diversas.
Como assim?
MALAVOGLIA – O contato com o livro físico é próximo do aprofundamento, da contemplação, da meditação, do pensamento. O livro interioriza. Já o livro digital é diluidor, é voltado para o exterior. As alegadas vantagens da cultura digital sobre a física são ilusórias. As pessoas oscilam ao sabor dos trending topics, do twitter ou outra bobagem semelhante.
O que vai ocorrer se o livro físico desaparecer?
MALAVOGLIA – Essa é uma ameaça à cultura humanista, uma ameaça à nossa liberdade, à realização humana em seu sentido mais profundo. É um desastre que as livrarias estejam fechando e os livros físicos, rareando. É o quadro da tecnobarbárie. É uma terra arrasada.
Há algum paralelo na história?
MALAVOGLIA – O Império Romano ruiu diante das invasões bárbaras. O conhecimento, no entanto, foi preservado em mosteiros, em ilhas de cultura, lugares de abrigo no qual a tradição precisou ser resguardada para atravessar um período de escuridão e, posteriormente, dar à luz à Renascença. Estamos na mesma situação.
A civilização está sendo invadida por novos bárbaros?
MALAVOGLIA – As pessoas precisam acordar para o que está acontecendo. Os novos meios de comunicação criam formas de escravidão mental. Nenhum senhor de escravos do século 19 sequer teria imaginado algo semelhante. Você está no metrô, com 100 pessoas no vagão, e todas estão naquele estado de hipnose, grudadas, olhando para uma tela. Os tecnobárbaros querem ocupar a nossa alma. Os bárbaros também eram inimigos dos livros.
A cultura digital emburrece?
MALAVOGLIA – A cultura digital faz você ficar sabendo, aos pedaços, de mil coisas diferentes, mas não se aprofunda em nenhuma. Não chega à raiz. A cultura digital é ignorante. Ela determina esse nosso período de trevas. Precisamos manter nossa fé, coragem e firmeza, porque tem muita tempestade pela frente.
O que pode ser feito?
MALAVOGLIA - Precisamos criar bunkers de cultura. Todos podemos fazer algo seja pessoal ou profissionalmente. As livrarias são templos de nossa realização humanista. As bibliotecas devem ser preservadas. Necessitamos ter a veemência de fazer algo e transmitir essa necessidade aos nossos filhos.